sábado, 18 de fevereiro de 2012

Para não esquecer



Estava encostada na janela e olhava as nuvens que se preparavam para deixar cair gotas de água sobre o solo que ela se encontrava. O dia começava a tornar-se noite. E ela começou a lembrar de seu passado. Ao lembrar-se dos bons momentos, se mal dizia por ter tornado-se adulta.  Lembrou-se das brincadeiras com os irmãos e vizinhos quando a chuva caia, de nada tinha medo. Corria na chuva, brincava do pega-pega, do se esconde... Mas do que mais gostava era de fazer barquinhos de folha de caderno e soltar nas pequenas correntezas que a água fazia no solo. Parecia real. Era como se ela estivesse mesmo dentro do barquinho navegando por mares nunca dantes navegados. Imaginava as mais belas aventuras e até apostava, com os irmãos e amigos, que seu barquinho de papel seria o último a afundar.
Os trovões e raios não assustavam; doenças também não a faziam temer. E o frio... Ah o frio... Era maravilhoso. E hoje, já adulta, tudo era diferente. Passou a correr, não para a chuva, mas para longe dela, como se ela fosse a morte. Passou a se esconder dentro de casa, na cama, debaixo dos cobertores como se uma gota fosse lhe causar um grande dano. E tudo era motivo de resfriado, de doenças. Pensava que se caísse na chuva os vizinhos a chamariam de doida, sem noção...
Fechou os olhos e ficou a imaginar os bons tempos que não voltam mais. Quis por um momento repetir as mesmas coisas que fazia quando ainda era criança e não se importava com que os outros iriam dizer... se ficaria doente ou não. Percebeu que ser adulta era ser fraca e não gostava da ideia de ser fraca.
A chuva já caia forte e bela. Mais parecia um chamado à aventura. Mas ela era fraca, era adulta. Não agira mais por emoção, tudo era decidido por meio da razão e ela sentiu raiva disso. Ao longe viu algumas crianças repetirem o mesmo que ela fazia, há anos atrás. E por um momento quase foi se juntar a eles, mas o medo e a razão a impedira de realizar seu desejo. Agonizava-se, pois a chuva já estava passando e com ela sua oportunidade de tornar a ser criança. Olhou para as casas dos vizinhos e percebeu que todos estavam trancafiados em suas residências, com medo de uma das mais belas obras de Deus.
Decidira. Iria sim cair na chuva. Rasgou uma folha de seu caderno e fez um barquinho semelhante ao de quando era criança. Suas mãos já não eram tão hábeis, mas ficou feliz por não ter esquecido como fazê-lo. Abriu a porta e desconfiadamente saiu na tentativa de soltar seu barquinho e correr atrás dele até onde fosse possível. Sentiu um frio arrepiar-lhe o corpo, quase desistiu, mas continuou firme em sua decisão. Sentiu as gostas caírem sobre sua cabeça. Ergueu o rosto e pode sentir uma caricia da chuva que parecia agradecer por ela ter tornado a ser criança. Viu-se como nos anos passados. Rodopiava de braços abertos, olhos fechados e rosto erguido ao céu. Agradecia, silenciosamente, por aquele momento. Correu e logo à frente encontrou uma maravilhosa correnteza e soltou seu barquinho que já estava bem molhado. Seguiu até onde não pode mais. Deixou-o ir e com ele todas as suas lembranças de quando era criança. Retornou. Com um sorriso alargando seu rosto olhou mais uma vez para o céu e deixou que a chuva acariciasse seu rosto mais uma vez. Sentiu-se bem.


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