segunda-feira, 18 de novembro de 2013

É quando o dia amanhece nublado...

É quando o dia amanhece nublado que você para, e pensa, e pensa, pensa na ação do tempo em sua vida. A gente fica sem saber por que e como chegamos até aqui. E se olha no espelho, e tal qual Cecília Meireles se desconhece na frente dele. Algumas pessoas por mais que se olhem frente ao espelho não percebem essa ação, pois na verdade ela tem um amor, ela vive em função de alguém que a ama e que também não percebe a ação do tempo em sua vida.
As pessoas mais felizes são aquelas que têm a quem amar. E que amam verdadeiramente. Tão verdadeiramente que o mais importante na vida não é parar no tempo, mas sim vivê-lo cada momento em função da pessoa amada.
Incrível, não acha?!
É quando o dia amanhece nublado que você sente o pé gelado e não quer sair da cama, quer permanecer ali embrulhada se aquecendo com seu próprio calor (Que triste!).
 Não tinha percebido o quanto a gente precisa do outro...
É quando o dia amanhece nublado que você sente o peso dos anos nas costas.
É quando o dia amanhece nublado que você sente saudades da velha infância, do tempo de colégio, dos dias na universidade, das amigas piradas, dos garotos bonitinhos sem nada na cabeça.
É quando o dia está nublado que você sente falta do colo da mãe, daquele amor arrebatador da adolescência, do primeiro beijo no dia de finados quando todos da vizinhança tinham ido acender velas e você e ele ficaram com uma desculpa esfarrapada só para concretizar o que há dias maquinavam.
É quando o dia está nublado que você sente falta do pai que te deixou sem ao menos esperar pela tua formatura, sem esperar para te levar ao altar e olhar para teu futuro esposo com aquele olhar que diz “se você fizer minha filha infeliz, eu acabo com você”.
É quando o dia amanhece nublado que você revivi na memória tudo que já viveu nesse mundo.
É quando o dia está nublado que você lembra daquele banho com os amigos, irmãos, primos e primas que você ficava com medo da água estar gelada (e estava, mas mesmo assim te empurravam dentro).
É quando o dia amanhece nublado que você lembra daquele garoto do ensino médio que tinha uma moto e você achava um máximo, lembra da carona que ele te deu. Lembra você agarrada à cintura dele sentido o mundo ficar para trás e o vento soprando seus cabelos e o perfume dele a invadir seu ser.
E também lembra da bronca que levou da mãe, do interrogatório que ela fez, da quase surra que levou, e da promessa que fez de nunca mais repetir aquilo (e cumpriu, embora não quisesse).
Como mães têm poder de persuasão!
É quando o dia amanhece nublado que você pensa na chuva, e ela vem, e você lembra que quando criança corria na rua com os amiguinhos do bairro a brincar e banhar. Levantava a cabeça e sentia aquelas gotas abençoadas lavando sua alma. E competia com eles para ver quem conseguia banhar em mais biqueiras de casas, e assim percorria todas as casas de sua rua, fazendo barulho, catando, pulando e brincando com toda a inocência de uma criança e a alma de uma sonhadora.
É quando o dia amanhece nublado que você para e lembra que está VIVA.

A.     R. M.





quinta-feira, 13 de dezembro de 2012


Ilha dos amores

Pegou a mala. Chamou um táxi e se dirigiu para o aeroporto. Queria sumir por uns dias. Conseguira ainda uma passagem para uma ilha. O nome a intrigou. Chamava-se ilha dos amores. Esperava que algo de especial a acontecesse. Algumas  horas de viagem e ela já estaria longe de tudo e de todos. Ansiava por rostos novos, paisagem nova, novos ares e sabe-se lá Deus o que mais. Não avisara a ninguém. Queria mesmo era viver algo novo.
Letícia chegou à ilha por volta das quinze horas da tarde. Hospedou-se em um hotelzinho aconchegante. Todo trabalhado na madeira, com alpendre com duas ou três redes armadas. Uma delas estava ocupada. Alguém nela aproveitava o zéfiro que passava. Procurou não fazer muito barulho para não atrapalhar, seja lá quem estivesse ali. Atravessou o alpendre, acompanhada de um gentil senhor que levava sua mala e mostrava-lhe o caminho do quarto, que ela ficaria por quantos dias desejasse.  Mal sabia ela que aquele lugar a faria tão bem, mas que guardava surpresas que faria qualquer um duvidar.
A moça de cabelos castanhos e olhar tão doce quanto mel, também puderam seus olhos eram da cor de mel, passou pela encantadora sala do hotelzinho olhando os mínimos detalhes daquele ambiente que durante alguns dias seria sua morada. Havia duas poltronas em volta de uma mesinha com um belíssimo jarro de rosas vermelhas e brancas. Algumas revistas e um jornal local. Uma pequena recepção onde se encontrava uma senhora de aparência amigável e encantadora. Sob o teto um lustre que condizia com o ambiente. Dois belíssimos quadros, em um deles havia a gravura de um cavalo. O mais belo que já vira. No outro, a imagem de um campo que dava para uma floresta, por sinal bela floresta. E mais a frente uma escada de madeira que dava para os quartos e um pouco ao lado da escada uma portinha que provavelmente levava ao refeitório.
Letícia analisava tudo com um sorriso enorme estampado no rosto. Ainda parada esperava a chave de seu quarto que o gentil senhor havia ido pegar na recepção. Estava tão embriagada de felicidade que não ouviu quando o senhor a chamou para irem ao quarto. Ele aproximou-se da moça e tocou-lhe o braço chamando-a novamente. Ela desculpa-se e o segue. Percorre um corredor repleto de portas com uma enumeração para identificá-los. Eis que chegam ao quarto da moça. O quarto de número 13. A princípio não gostou muito do número. Lembrou-se da superstição em relação ao número. Mas certa vez ouvira que de duas uma; ou dava sorte ou azar. Preferiu ela crer que tal número a traria muito sorte, então não objetou contra o quarto e entrou com muito gosto. Nada poderia tirá-la daquele estado de puro deleite nem mesmo uma superstiçãozinha qualquer. O quarto era o mais simples e mais lindo e aconchegante que já entrara. Analisou-o por um momento e pôs logo a se jogar na cama sem tempo nem mesmo de esperar o senhor a sair.
No rosto do gentil senhor brotou um risinho de satisfação e de seus lábios saíram algumas palavrinhas.
– Irá gostar ainda mais, moça! Boa estadia. Precisando, estou às ordens.
– Não tenho dúvidas, Sr. ...?
– Óh, perdão! José. Chamo-me José.
– Muito prazer, senhor José. Chamo-me Letícia.
– És a alegria em pessoa.
– Como?!
– O significado do seu nome condiz com a pessoa que és.
– Ah sim! Obrigada. Muito gentil de sua parte.

.
.
Continua...
Quer mais?

A.R.MORAES 

COMO UM ROMANCE

Foi num desses dias chatos, que por incrível que parece, percebi que o mesmo amor que tinha antes pela leitura ainda continua. E agradeço por isso. Tive que ir assistir uma aula que seria ministrada pela professora Angélica. Devo confessar que só fiquei para assisti-la porque sabia que seria ela. É impressionante como ela sabe ler. Digo: saber ler não é reconhecer as palavras grafadas. Saber ler é envolver. É sentir as palavras, é deixar-se levar por elas seja lá para onde elas te queiram levar.  E minha professora sabia fazer isso muito bem. Ainda consigo me ver sentada naquela carteira com os olhos fitos nos lábios de minha professora. Segurava meu queixo. Era provável que se não fizesse isso, minha boca ficaria aberta. É tão prazeroso ouvi-la ler. Creio que qualquer livro, qualquer texto lido por ela, sendo chato ou não, torna-se agradabilíssimo quando declamados por seus lábios.
Enquanto ela falava da disciplina, notei que segurava um livro aberto em alguma página que ela marcava com um dos dedos de sua mão. Ela não esperou que perguntássemos o porquê daquilo. Logo começou a explicar. Ela havia planejado começar a ler para nós a partir da primeira página como é de costume por quase todos. Porém ela começou a explicar por que passaria a ler daquela página. Falou-nos que certa vez, há muito tempo, assistira a um filme e uma cena a chamou bastante atenção. Uma personagem, ao ir devolver um livro para o bibliotecário, deixou-o cair. O livro caíra aberto no chão e ela de imediato pôs a apanhá-lo e quando já o ia fechar o bibliotecário interviu e disse-lhe para nunca rejeitar o que um livro tinha para lhe dizer. Achei isso um máximo. Por vezes isso acontece comigo e por muitas vezes ignorei o que alguns livros tinham para me dizer. Por causa dessa cena, ela passou a nunca mais ignorar quando um livro se abria em determinada página. Por isso ela leu exatamente o que estava escrito na página guardada por seus dedos. E de fato aquele livro tinha algo a nos dizer. Fora as palavras mais lindas que ouvi. Deixou-me com um desejo tão grande de lê-lo por completo e de imediato. Quis tanto desvendar tudo que estava ali naquelas páginas só aguardando alguém que fosse ousado o suficiente para abri-lo e ouvir o que estava guardado naquelas folhas. Como um romance era seu nome. E como um romance, desejei vivenciá-lo.  

A.R.MORAES

segunda-feira, 21 de maio de 2012


Folhas caídas

Se uma flor no chão está a cair
É por conta da vida que já lhe veio o fim.
Se uma moça está a chorar
É por conta do moço que está a deixar.

Tanto a folha quanto o coração da moça
No chão vão parar, por conta do amor que lhes fora deixar.
A vida é para a folha o amor,
O moço é para a moça a vida.

Vida e amor é uma coisa só
Se lhes tiram a vida, tiram-lhes o amor.
Se lhes tiram o amor, tiram-lhes a vida.

Tal moça e tal flor
A vida lhes fora tirada.
Ficam ambas sem o amor
Sem vida e apenas a elas sobraram a dor.

A.R.MORAES


Eu e o Vento


O vento sopra meu rosto, lembrando-me a solidão.
Chega a zombar, diz que só a ela tenho.
Ingrato o chamo – como podes maltratar-me, eu que tanto o amo?

Ele zangado sopra mais forte. Diz que ingrata sou eu
Que ao menos a ela tenho.
Mas e ele? Também o tenho. És o único que vem meu cabelo cheirar.
Balança-o e faz meu corpo arrepiar.

Sopra meu rosto, às vezes bravo, às vezes manso.
Quando bravo, é ciúmes.
Quando manso, é amante.
Como podes ora ser um, ora ser outro?

Quando se ama não é só mansidão?
Vejo que a esse assunto nada compreendo.
Só compreendo a minha velha companheira, a solidão.
Ela que arrasa, mas que a mim também consola. E o vento mais uma vez vem e me diz:
Ao menos a ela tem.

terça-feira, 15 de maio de 2012


Alma de Esfinge


Indecifrável, assim eu sou.
Coração impenetrável
Como fora Tebas na presença da Esfinge.
Interrogo-me se um dia há de vir um Édipo para decifrar-me.

Se sim, que não demore,
Pois o tempo passa e não espera.
O tempo cruel deixa marcas, registra sua passagem,
Não se preocupa com os danos.

Só um Édipo há de me decifrar
Os que por aqui passaram, devorei-os todos.
A mim não souberam decifrar.

Não tardes! Vem decifrar-me, vem meu coração entender.
E assim fará a mim, também, compreender que não sou tal monstro
incapaz de amar antes de morrer.


A.R.MORAES

quinta-feira, 3 de maio de 2012


Noitadas de farinhada

Hoje amanheci exaltando minha adorada infância, que os tempos não trazem mais. O vento frio soprou em meu rosto me fazendo lembrar coisas que me aconteciam quando ainda vivia com minha amada mãe. Não sei por que cargas d’água, lembrei as farinhadas de minha infância. Quase todo mundo tinha uma casa de farinha. E as casas de farinhas eram o nosso teatro, nosso cinema, nosso parque de diversões, nosso circo... Quando a mãe anunciava: “Hoje começa a farinhada de fulano!”, todos corriam e pegavam uma faquinha ou uma “facona” e direcionavam-se à casa de farinha. A vizinhança toda se fazia presente, embora fosse pouca a mandioca a ser transformada em farinha. Enquanto alguns raspavam a mandioca, outros lavavam, serravam, imprensavam, retiravam a goma, torravam, faziam beju, outros ficavam a entreter-se e a entreter os que estavam trabalhando com conversas, seja lá sobre que assunto fosse e a garotada ora ficavam a ouvir, ora ajudava, ou então estava a brincar, do lado de fora da casa, de cabra-sega, esconde, caí no poço, ciranda, guerra e tantas outras brincadeiras que não me saem da memória. Eu gostava de brincar é claro, mas o que mais me agradava era ouvir aquelas conversas de adulto: piadas, “falanças” da vida alheia, ou da vida dos presentes mesmo. Tinha aqueles ousados que contavam histórias sobrenaturais de almas, lobisomens e tantos outros seres que eu nunca vi, mas eles sim e narravam a história toda, onde, quando e como tinha acontecido. Aquilo tudo me deixava fascinada, embora depois, com muito medo, voltava para casa grudada na barra da saia da mãe de tal forma que não podia o vento balançar uma folha a meu lado que eu seria capaz de me borrar toda. Alguns metidos a artistas cantavam animando a noitada da farinha. Isso, às vezes, durava dias, dependendo da quantidade de mandioca que tinha. Sempre tive a impressão que os trabalhadores, homens e mulheres de bem, faziam-se demoradas no trabalho só para a farinhada durar mais dias, ou talvez fosse só ideia boba da minha cabeça. Verdade é que eu faltava pedir para que eles fizessem isso. A infância ia passando e eu entrava numa fase interessantíssima, a fase da adolescência, das paixões, dos amores e desejos ardentes. E a farinhada acompanhava-me. Desta vez eu não ficava só ouvindo, ou brincando e já não trabalhava por prazer. Pois o que queríamos mesmo era estar lá fora a inventar poemas e paquerar um vizinho bonitinho que há tempos as meninas comentavam sobre suas qualidades. Mas nossas mães nos punham a descascar a mandioca, ficava agradável se o tal rapaz estivesse também trabalhando. No meio da conversa dos adultos ficávamos a trocar aqueles olhares comunicativos mais que palavras. E isso era bom!
Quando conseguíamos escapar de nossas mães, ficávamos lá fora sentados ou numa calçada ou numa raiz de uma enorme arvore a inventar poesias, a declamar as que já existiam, a tentar adivinhar aquelas adivinhaçõezinhas, a cantar e assim namorávamos. As mais ousadas e os ousados afastavam-se um pouco e ficavam no escurinho. De lá só ouvíamos sussurros e estalar de beijos. Nós ficávamos a rir baixinho e a vigiar. Todos nervosos, não mais que os enamorados, mas sim, também ficávamos, sobretudo quando alguma mãe soltava aquele grito chamando a filha ou o filho.
Dava-nos aquela sensação gostosa de medo e prazer. Medo de sermos pegos por nossas mães, ou pior pelos pais, e prazer por estarmos burlando as regras daquele jogo que se chamava educação familiar. Prazer por finalmente conseguirmos uns beijinhos do garoto cobiçado, ou simplesmente por estar no meio da turminha jovem.
Quando já estava no finalzinho, já tarde da noite, corríamos para dentro da casa. Era hora de dividir os bejus, cada família presente levava um beju enorme para casa, um pouco de farinha... Nós dávamos um jeito de começarmos a comer o beju logo ali.
Eu ainda gostava de ouvir as conversas dos mais velhos, gostava dos grupinhos de jovens ouvindo e criando poesias, das brincadeiras e dos namoricos, das cumplicidades e dos comentários entre as meninas e sem sombra de dúvidas dos comentários dos meninos. O triste é que ficávamos adultos com o passar do tempo e muitas meninas passavam dos sussurros e beijos estalados e tornavam-se mães e logo casavam, outras feito eu, íamos para a “cidade grande” estudar e acabávamos trocando as casas de farinha por teatros, cinemas, parques e circos modernos. Nunca pensei que aquele lugarzinho que me fazia tão feliz fosse mudar tanto. Hoje quase não se vê uma casa de farinha, quase não se vê a vizinhança reunida e as brincadeiras e namoricos foram substituídos pela virtualização. É bom retornar aquele lugarzinho de minha infância e saber que na casa de fulano, distante de casa, vai ter farinhada e melhor ainda é saber que mamãe vai e assim poder ir também. Hoje já não ficamos brincando ou sendo cúmplices de namoricos, mas ainda nos resta ouvir a conversa daqueles mais velhos que lembram como era no tempo deles.

A.R.MORAES