segunda-feira, 21 de maio de 2012


Folhas caídas

Se uma flor no chão está a cair
É por conta da vida que já lhe veio o fim.
Se uma moça está a chorar
É por conta do moço que está a deixar.

Tanto a folha quanto o coração da moça
No chão vão parar, por conta do amor que lhes fora deixar.
A vida é para a folha o amor,
O moço é para a moça a vida.

Vida e amor é uma coisa só
Se lhes tiram a vida, tiram-lhes o amor.
Se lhes tiram o amor, tiram-lhes a vida.

Tal moça e tal flor
A vida lhes fora tirada.
Ficam ambas sem o amor
Sem vida e apenas a elas sobraram a dor.

A.R.MORAES


Eu e o Vento


O vento sopra meu rosto, lembrando-me a solidão.
Chega a zombar, diz que só a ela tenho.
Ingrato o chamo – como podes maltratar-me, eu que tanto o amo?

Ele zangado sopra mais forte. Diz que ingrata sou eu
Que ao menos a ela tenho.
Mas e ele? Também o tenho. És o único que vem meu cabelo cheirar.
Balança-o e faz meu corpo arrepiar.

Sopra meu rosto, às vezes bravo, às vezes manso.
Quando bravo, é ciúmes.
Quando manso, é amante.
Como podes ora ser um, ora ser outro?

Quando se ama não é só mansidão?
Vejo que a esse assunto nada compreendo.
Só compreendo a minha velha companheira, a solidão.
Ela que arrasa, mas que a mim também consola. E o vento mais uma vez vem e me diz:
Ao menos a ela tem.

terça-feira, 15 de maio de 2012


Alma de Esfinge


Indecifrável, assim eu sou.
Coração impenetrável
Como fora Tebas na presença da Esfinge.
Interrogo-me se um dia há de vir um Édipo para decifrar-me.

Se sim, que não demore,
Pois o tempo passa e não espera.
O tempo cruel deixa marcas, registra sua passagem,
Não se preocupa com os danos.

Só um Édipo há de me decifrar
Os que por aqui passaram, devorei-os todos.
A mim não souberam decifrar.

Não tardes! Vem decifrar-me, vem meu coração entender.
E assim fará a mim, também, compreender que não sou tal monstro
incapaz de amar antes de morrer.


A.R.MORAES

quinta-feira, 3 de maio de 2012


Noitadas de farinhada

Hoje amanheci exaltando minha adorada infância, que os tempos não trazem mais. O vento frio soprou em meu rosto me fazendo lembrar coisas que me aconteciam quando ainda vivia com minha amada mãe. Não sei por que cargas d’água, lembrei as farinhadas de minha infância. Quase todo mundo tinha uma casa de farinha. E as casas de farinhas eram o nosso teatro, nosso cinema, nosso parque de diversões, nosso circo... Quando a mãe anunciava: “Hoje começa a farinhada de fulano!”, todos corriam e pegavam uma faquinha ou uma “facona” e direcionavam-se à casa de farinha. A vizinhança toda se fazia presente, embora fosse pouca a mandioca a ser transformada em farinha. Enquanto alguns raspavam a mandioca, outros lavavam, serravam, imprensavam, retiravam a goma, torravam, faziam beju, outros ficavam a entreter-se e a entreter os que estavam trabalhando com conversas, seja lá sobre que assunto fosse e a garotada ora ficavam a ouvir, ora ajudava, ou então estava a brincar, do lado de fora da casa, de cabra-sega, esconde, caí no poço, ciranda, guerra e tantas outras brincadeiras que não me saem da memória. Eu gostava de brincar é claro, mas o que mais me agradava era ouvir aquelas conversas de adulto: piadas, “falanças” da vida alheia, ou da vida dos presentes mesmo. Tinha aqueles ousados que contavam histórias sobrenaturais de almas, lobisomens e tantos outros seres que eu nunca vi, mas eles sim e narravam a história toda, onde, quando e como tinha acontecido. Aquilo tudo me deixava fascinada, embora depois, com muito medo, voltava para casa grudada na barra da saia da mãe de tal forma que não podia o vento balançar uma folha a meu lado que eu seria capaz de me borrar toda. Alguns metidos a artistas cantavam animando a noitada da farinha. Isso, às vezes, durava dias, dependendo da quantidade de mandioca que tinha. Sempre tive a impressão que os trabalhadores, homens e mulheres de bem, faziam-se demoradas no trabalho só para a farinhada durar mais dias, ou talvez fosse só ideia boba da minha cabeça. Verdade é que eu faltava pedir para que eles fizessem isso. A infância ia passando e eu entrava numa fase interessantíssima, a fase da adolescência, das paixões, dos amores e desejos ardentes. E a farinhada acompanhava-me. Desta vez eu não ficava só ouvindo, ou brincando e já não trabalhava por prazer. Pois o que queríamos mesmo era estar lá fora a inventar poemas e paquerar um vizinho bonitinho que há tempos as meninas comentavam sobre suas qualidades. Mas nossas mães nos punham a descascar a mandioca, ficava agradável se o tal rapaz estivesse também trabalhando. No meio da conversa dos adultos ficávamos a trocar aqueles olhares comunicativos mais que palavras. E isso era bom!
Quando conseguíamos escapar de nossas mães, ficávamos lá fora sentados ou numa calçada ou numa raiz de uma enorme arvore a inventar poesias, a declamar as que já existiam, a tentar adivinhar aquelas adivinhaçõezinhas, a cantar e assim namorávamos. As mais ousadas e os ousados afastavam-se um pouco e ficavam no escurinho. De lá só ouvíamos sussurros e estalar de beijos. Nós ficávamos a rir baixinho e a vigiar. Todos nervosos, não mais que os enamorados, mas sim, também ficávamos, sobretudo quando alguma mãe soltava aquele grito chamando a filha ou o filho.
Dava-nos aquela sensação gostosa de medo e prazer. Medo de sermos pegos por nossas mães, ou pior pelos pais, e prazer por estarmos burlando as regras daquele jogo que se chamava educação familiar. Prazer por finalmente conseguirmos uns beijinhos do garoto cobiçado, ou simplesmente por estar no meio da turminha jovem.
Quando já estava no finalzinho, já tarde da noite, corríamos para dentro da casa. Era hora de dividir os bejus, cada família presente levava um beju enorme para casa, um pouco de farinha... Nós dávamos um jeito de começarmos a comer o beju logo ali.
Eu ainda gostava de ouvir as conversas dos mais velhos, gostava dos grupinhos de jovens ouvindo e criando poesias, das brincadeiras e dos namoricos, das cumplicidades e dos comentários entre as meninas e sem sombra de dúvidas dos comentários dos meninos. O triste é que ficávamos adultos com o passar do tempo e muitas meninas passavam dos sussurros e beijos estalados e tornavam-se mães e logo casavam, outras feito eu, íamos para a “cidade grande” estudar e acabávamos trocando as casas de farinha por teatros, cinemas, parques e circos modernos. Nunca pensei que aquele lugarzinho que me fazia tão feliz fosse mudar tanto. Hoje quase não se vê uma casa de farinha, quase não se vê a vizinhança reunida e as brincadeiras e namoricos foram substituídos pela virtualização. É bom retornar aquele lugarzinho de minha infância e saber que na casa de fulano, distante de casa, vai ter farinhada e melhor ainda é saber que mamãe vai e assim poder ir também. Hoje já não ficamos brincando ou sendo cúmplices de namoricos, mas ainda nos resta ouvir a conversa daqueles mais velhos que lembram como era no tempo deles.

A.R.MORAES
  

quinta-feira, 12 de abril de 2012

O Roncador


Foi numa dessas viagens intermináveis de Teresina a Fortaleza que me lembrei de um texto de Antonio Prata. Em seu texto, ele denominava os ônibus de prisão e, com efeito, concordo com ele.  Chega a ser impressionante o fato de passarmos horas dentro de um ônibus e às vezes sem nada a fazer. Ainda mais quando a viagem é durante a noite. Ai você me diz, caro leitor, e porque não dorme? E eu prontamente respondo que o fato de estar posicionado na poltrona de numero quarenta, próximo ao banheiro e de ter como companhia uma criatura que passa a viagem toda roncando não ajuda muito. O indivíduo do meu lado me causou espanto. Por vezes quis acordá-lo, pensei que ele estava morrendo engasgado, mas na verdade ele estava se morfoseando em todos os animais que produzem sons assustadores; bem como um porco enraivecido pedindo comida ou ainda uma onça feroz que produz o som mais assustador que se possa imaginar. Ou ainda, leitor, o som que tu estás imaginando e que eu, infelizmente, não posso descrever.  Digamos que nada me foi favorável a aproveitar a viagem dormindo e como era noite não tive a oportunidade de ir lendo (coisa que gosto de fazer quando estou em viagem) e para completar a dose, tristemente esqueci os fones de ouvido e não pude ouvir umas boas músicas, sons que me fariam bem, é claro. A sorte é que, demorou, mas ele saiu e eu continuei. Graças ao bom Deus, estou aqui relatando este episodio que me foi desagradável. A parte boa nisso tudo é que fiquei com duas poltronas à disposição e o dia já começava a raiar quando pude ver um dos mais belos espetáculos que Deus nos proporciona; os primeiros raios do sol cortando as nuvens negras. O silêncio, a calmaria e o passar do tempo diante dos meus olhos, pois os demais que estavam no ônibus nada viam, apenas em seus sonhos e sabe se lá o que eles estavam sonhando. Fiquei contente de o homem não ter morrido engasgado, mas confesso que ainda posso ouvir o roncar dele (Ops! Agora é outro da poltrona da frente substituindo o que se retirara.). Fiquei parte da viagem identificando as metamorfoses pelas quais o cidadão passava. Ora era um porco, podia-se notar com perfeição e  eu até suspeitei que alguém estava transportando um, mas isso era praticamente impossível ainda mais junto com os passageiros. Ora parecia que um sapo iria saltar da boca dele; pude identificar uma vaca mugindo, um cachorro rosnando e até uma galinha cacarejando. Parece absurdo e exagerado, mas pra quem estava com sono e era impossibilitado de dormir ou de fazer algo agradável não restava outra coisa a não ser perceber a afinidade dos sons emitidos por aquele ser de Deus com as demais criaturas do mesmo bondoso Pai.
A.R.MORAES

quinta-feira, 29 de março de 2012

O Topo



,Certa vez Ela lera, em algum livro, que o período de sofrimento é um processo de crescimento e este crescimento é o despertar da alma, uma real cura interior. Às vezes, ela sofria. Idealizava, sonhava e por vezes o sonho não passava de um devaneio, mas Ela acreditava nesse devaneio e gostava tanto da ideia que o queria tornar realidade. Mas era um devaneio... Ouvia isso de seus colegas, que não acreditavam que ela poderia tornar reais seus sonhos. Por vezes Ela quase era induzida a crer que eles tinham razão. Mas a vontade imensa de fazer a diferença tomava conta de sua alma. Sofria, é bem verdade, mas não desistia. Arregaçava as mangas e partia para a luta. Imaginava-se lutando com um ser superior, alto, forte; bem mais forte que Ela, feroz, sem coração... Porém Ela não desistia. Notava que o fato de Ela ser pequena, aparentemente frágil gerava uma possibilidade de’la se desviar dos socos, das ofensas, dos chutes... Ela entrava onde o tal ser alto, forte e feroz não conseguia. Ela passava por ele, por debaixo de suas imensas pernas. E o tal ser aos poucos se cansava. Já não tinha forças para lutar contra os desejos e sonhos daquela criatura que parecia frágil, mas não o era. Não importava o quão grande ele fosse, não importava o quão forte, feroz, aterrorizador ele fosse, Ela daria um jeito de contorná-lo, de ultrapassar todas as barreiras impostas por ele e tentar, ao menos, realizar seu desejo. Gostava de recitar outras palavras que lera em uma novela de cavalaria, “Quando o coração quer, todos os perigos são desprezados”. E Ela queria. Queria realizar seu mais ardente desejo, seu sonho mais difícil, aos olhos dos outros, de ser realizado. No entanto, lutara contra o mais aterrorizador dos seres, quem mais poderia detê-la? Fez-se frágil por fora, mas só Deus sabe a Guerreira que Ela é por dentro. O desejo, o sonho, a vontade são degraus para o crescimento e ela sabia disso, mas também sabia que teria que enfrentar muitos seres, ainda, no subir de cada degrau. A realização, a felicidade, o bem alcançado era o topo, o topo da escada que ela teria que construir. Não estava pronto. A escada não estava ali para que ela apenas subisse. Ela teria que construir sua própria escada, degrau por degrau. Não aceitava que os outros dissessem a ela que ficasse onde já estava. Ela queria mais. Dizia que não enfrentara tudo para ficar encostada ali. Embora fosse difícil, embora tivesse que enfrentar algo mais que ela desconhecia, iria ela chegar ao topo, pois não fora feita para ficar na base, não fora feita para ficar recostada nos primeiros degraus de sua escada. Queria o topo. Ah sim! O topo era sua meta. De lá teria toda a visão. Veria o mundo como ele realmente é. De lá chamaria os demais – Venham! Venham ver a beleza do mundo. Venham ver o sol raiar, a lua brilhar; venham sentir o vento perfumado (o mais puro que se pode sentir), venham ver os jardins mais belos onde as flores estão sempre encantando e perfumando. – Queria ir e com Ela Levar todos.
A.R. MORAES

sexta-feira, 23 de março de 2012

A moça da janela



Durante a tarde, ela costumava se recostar na janela e ficava olhando o céu enquanto entoava algumas notas. Seus lábios reproduziam sons belíssimos, deles saiam belas palavras que fazia o coração vibrar e a alma dar saltos de alegria. Era bom ouvir o som de sua voz. Quando ela cantava, sua alma bradava aos horizontes ou a quem a escutasse. Mas ela imaginava cantar apenas para o céu, para as arvores, pássaros e vento. Não passava por sua cabeçinha que alguém a pudesse ouvir. Recostada na janela não sentia a presença de mais ninguém. O que ela não sabia era que havia alguém que adorava olhá-la e ouvi-la cantar. Tantas vezes ele esteve escondido, recostado também na janela de seu quarto que ficava do outro lado da rua, mas a visão que ele tinha dela era perfeita. Ela não desconfiava. Não sabia que sempre no mesmo horário que ela ia à janela entoar suas notas e louvar a natureza bela, ele lá já se encontrava. Estava a esperar a bela jovem da janela. Ele a observava detalhadamente, desde os fios de cabelo soltos ao vento até o contorno de seus lábios. E quando ela cantava o coração dele ficava todo em festa. Esteve durante dias a observá-la, a se deliciar de sua bela voz, de seu perfume que o vento o levava até ele.
Certa vez, já tarde, ele a esperava ansioso por apreciar aquela beleza, mas ela não apareceu. Ele ficou até escurecer à espera da moça que tornava seu final de tarde um paraíso. Não compreendia porque ela não havia ido cantar naquela tarde. Por sua cabeça passaram tantas respostas à sua pergunta. Mas cada uma mais absurda que a outro. Desistiu de esperá-la naquele dia. Imaginou que ela não apareceria mais. Afinal já era quase dez horas da noite. E quando ele se virou para sair da janela uma voz começou a cantar. Ele não teve coragem de retornar à posição inicial, tinha medo que a bela voz sumisse. Mas necessitava vê-la, necessitava sentir o vento carregado do perfume dela esbarrar em seu rosto. E num impulso tornou à janela. Seu coração acelerava, parecia querer saltar e ir ao encontro da dona da bela voz. Ele pôs a mão sobre o peito e pedia: “Para meu coração, acalma-te!”. Ele respirava o ar perfumado que o vento lhe trazia como se fosse um alimento indispensável.
Entusiasmado com a presença da moça recostada na janela, esqueceu-se de esconder-se para que ela não notasse sua presença. Ela nunca havia percebido a presença de ninguém por detrás daquele muro. Sabia que havia uma casa, mas nunca imaginou que fosse possível alguém notá-la. Assustou-se quando percebeu o rapaz na outra janela a olhá-la risonho. Ao olhar para o lado, seus olhos estiveram de encontro aos dele por uma quantidade significativa de tempo. Seu cantar fora substituído por um silêncio e o sorriso que ele carregava por uma expressão de susto. Pensou, ele, ter estragado tudo. Ela, ao notar o constrangimento dele, quis aquietar o coração do jovem e sorriu discretamente, mas não tornou a cantar, pois o pálido de sua face fora substituído por um róseo encantador que demonstrava vergonha ao saber que alguém a escutava.
Ele queria se desculpar por ter perturbado a paz da moça, mas não se fazia ouvir, pois as palavras não saiam de sua boca. O único gesto que lhe foi possível fazer fora um acenar de mão, que ela retribuiu com um leve inclinar de cabeça. Ficaram os dois a se olharem silenciosamente. Mas se alguém por ali passasse notaria que no olhar de ambos havia um diálogo que só os que amam sabem interpretar.