segunda-feira, 5 de março de 2012

O jogador



Eu devia ter uns doze anos quando fui assistir a um jogo de futebol num campinho que ficava em frente à Casa da Tia Socorro. Era uma experiência interessante. Quando lá cheguei encontrei minha amiguinha “Ceiça”. Andávamos de um lado para outro observando o movimento. Era legal ver aqueles rostos que dificilmente víamos. Alguns nunca havíamos visto. Ao lado da casa da Tia socorro ficava um barzinho com uma sinuca que fazia a diversão dos que esperavam a bola rolar. Eu e Ceiça encontramos outras amiguinhas da escola. A Ceiça era filha da Tia Socorro, que era merendeira da escola onde nós estudávamos e todos nós a chamávamos de Tia Socorro. Estavam todos ali: Tia Dilça, professora de uma disciplina que não lembro bem; seu esposo, também professor. E o restante da nossa turma. Outros pertenciam a comunidades vizinhas que vinham assistir os jogadores movimentarem a bola e no final algum time sair com um trofeuzinho que achávamos um máximo. Ao atravessar o campo ao lado de minha amiga, observamos um jogador que estava sentado na grama colocando a chuteira. Para mim, seu rosto era desconhecido. Quando ele percebeu que passávamos, olhou para mim e riu. Logo depois disse: vou fazer um gol para você, lindinha. Aquelas palavras me assustaram. Fiquei morrendo de vergonha e quase não o dei atenção. Continuamos a atravessar o campo em direção à casa da Ceiça.
Passado algum tempo, o jogo inicia-se. A Ceiça ficou a zombar de mim por um bom tempo. Contou o ocorrido pra todo mundo que conhecíamos. Eu já estava querendo ir embora, mas ela disse-me que o jogador nem lembrava mais. Ficamos na beirinha do campo observando o jogo e torcendo por “nosso time”, segundo a Tia Socorro, tínhamos que torcer pelos garotos da nossa comunidade. O jogador que disse fazer um gol para mim pertencia ao time rival. Passou o primeiro tempo e nosso time estava ganhando de um a zero. O time rival estava eufórico, doido por virar o jogo. Terminou o primeiro tempo com nossos garotos sendo vitoriosos, mas o segundo tempo ainda estava por vir.
Tentei encontrar, com o olhar é claro, o tal jogador, mas não o vi. Nem sei se queria que meu olhar o encontrasse. Morria de medo e vergonha de ele me conhecer.
Eis que o segundo tempo começa e os jogadores na luta pelo troféu. Continuamos no mesmo lugar, alguns gritando e tentando animar nossos jogadores. Vaias ao time rival e eu silenciosa só observava o que se passava. Gostava de ver a Tia Socorro gritando e tentando animar o time. Ela tinha um filho que jogava nesse time, o Cesar. Pense como ela gritava o nome desse garoto. Era muito engraçado. Meu silencio e calma foram surpreendido com gritos dos torcedores do time rival. Houve um gol. Meu coração acelerou. Minhas pernas ficaram bambas e de repente percebo um jogador eufórico vir correndo em minha direção. Ele ria enquanto tirava a camisa e jogava como se quisesse que eu a pegasse. Quando ele estava bem próximo disse: “Lindinha, esse gol é pra você.” Isso ele falou bem alto e todo mundo dirigiu a atenção para mim. Depois ele falou baixinho como se quisesse que só eu o ouvisse: “eu não disse que faria um gol para você.”
Se fosse possível, naquele momento, eu ver meu rosto teria certeza que ele estava da cor de uma pimenta malagueta quando madura. Sentia arder. Por um instante quis cavar um buraco e me enterrar lá para que ninguém olhasse mais para mim.
Tia Socorro estava brava porque o time rival fez um gol, mas quase não se aguentou quando olhou para meu rosto. Todo mundo olhava para mim. O jogador alfinetava-me com seu olhar e sorria discretamente como se estivesse se divertindo muito com aquela situação em que eu me encontrava. Eu tentei correspondê-lo com um risinho quase impercebível e depois disse obrigada. Essas letrinhas quase não se fizeram ouvir. Logo ele saiu e foi dá continuidade ao jogo. Terminou o jogo e os times estavam com a mesma quantidade de gols. Decidiram quem levava o troféu nos pênaltis. Se minha memória não me engana, nosso time levou a melhor. E eu nunca mais vi o jogador que se esforçou para cumprir o que prometera. Esse foi o assunto na escola durante muito tempo. Todos queriam saber e eu só queria me esconder. Hoje fico contente ao lembrar do episodio. Nunca mais vi meu honrado jogador, mas guardo essa lembrança com muito carinho.     

2 comentários:

  1. Estou muito feliz em poder ler suas experiências....E bastante feliz em saber que você é bloggeira

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    1. (Risos) Obrigada!
      Que bom que estás gostando.
      Tentarei escrever mais para que possas se deliciar com a leitura, que é um exercício e alimenta a alma.

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